sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

O CASO DO DRAGÃO





O CASO DO DRAGÃO


Entre muitas situações jocosas que vivenciei na labuta de quase 40 anos de peleja, uma foi bastante peculiar e quis imortalizá-la no relato que agora passo a desenvolver.

Um amigo, Augustus, conceituado pela função que exercia, foi agraciado por uma amiga, que esteve na indonésia, com um dragão todo talhado em madeira. Um trabalho requintado, que deleitava os olhos de quem aprecia a boa arte. A obra de fato chamava a atenção, era muito atraente e por isso era destaque na sua mesa de trabalho. O bicho era feio, mas tornava-se belo pela  perfeição dos pequenos detalhes. Impossível não notá-lo ao adentrar-se na sala.

Compunha a equipe de trabalho de Augustus, um estagiário extrovertido, prestativo, mas também excessivamente irrequieto, falante e sobremaneira gesticulador.

Certo dia, ao dirigir-se à sala do mestre, que andava um pouco tenso (não por causa da qualidade do serviço prestado, mas em razão de uma auditoria jurídica e administrativa que se aproximava e detestava ser avaliado por algo que sabia ter feito com excelência), então eis que a tragédia acontece. No ardor da sua expansividade e “estabanação”, num gesto infeliz e rápido, o estagiário para explicar-lhe a conclusão de uma tarefa que lhe foi confiada, acerta em cheio o pobre do animal que estava ali, quieto e sereno no espaço que ilustremente lhe havia destinado, indo estatelar-se com força no chão, espalhando pequenos chifres e cacos para todos os lados.
Constrangido, o estagiário calou-se, ciente do desastre que causara. O meu amigo, sempre muito educado, não perdeu a compostura, mas vermelho de raiva asseverou-lhe:
- Chame o Theófilo, rápido?
O estagiário saiu da sala do chefe, desorientado, sem saber o que fazer. Entrou no espaço onde ficava a equipe e sussurrou:
- Fiz uma besteira, destruí o dragão do patrão.
A turma ficou assustada, pois sabiam da dileção que ele dispensava ao presente que recebera de amiga tão importante.
- Augustus está chamando, é urgente.
Ao entrar no gabinete, ele desabafou:
- Não tolero gente estabanada, precisava falar gesticulando?
- Você pode dar um jeito nele para mim?
   Sem jeito, ponderei:
- Vou ver o que posso fazer. Ele confiava muito no meu bom senso, mas se esquecera de que eu também era bastante estabanado e gesticulador. Restauração era um dos trabalhos que, com certeza, jamais eu me aventuraria a fazer. Mas diante da circunstância…
Sem muita cerimônia, ajoelhei-me ao chão e, tateando aqui e ali, iniciei a caça aos “chifrinhos” que se espalharam por todos os lados.
Ainda na mesma posição, eis que de repente, outros amigos de Augustus foram adentrando para tratar de outros assuntos e, sem cerimônia foram logo indagando:
- O que aconteceu aqui? Enquanto o meu amigo explicava a infelicidade do ocorrido, eu rastreava os pedacinhos do dragão, sem constrangimentos.
Ao sair da sala com o animal destroçado, para iniciar a sua recuperação, o responsável pela fatalidade, acompanhou-me. Não sei se por remorso ou preocupação.
Ainda bem que inventaram a supercola. De repente, as pecinhas desvencilhadas foram tomando forma e, o dragão poderia, brevemente, ocupar novamente o seu posto. No arroubo para concluir a missão a mim dada, eis que remendo um chifre invertido. O estagiário vislumbrando que eu estava perto de alforriá-lo, imediatamente gritou:
- Você colou o chifre errado. Arrebatou de minhas mãos sem cerimônias o dragão, forçou a peça mal-acabada e descolou-a, alinhando-a, novamente, do jeito que deveria ser.
Posso afirmar que o dragão não é o mesmo, pois alguns cavacos das madeiras que se deslocaram não foram encontrados. É perceptível observar, também, as emendas feitas, mas considerando que a recuperação não foi feita por especialista, é aceitável o trabalho que foi feito. O mais importante é evidenciar que ele não perdeu o seu glamour, todo imponente, ele está lá no mesmo espaço de antes. Augustus, consolado, ostenta-o com soberania e orgulho  até hoje.




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